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domingo, 3 de agosto de 2008

Espelho Retrovisor

Era uma quinta-feira, e eu ia passar por uma consulta de rotina: Dr. José Freitas, urologista. Fui muito bem atendido por ele, bem até demais... Tanto que ele de certa forma me amedrontou: " O seu caso é uma caso delicado, é uma vida que está em jogo. Se você não correr contra o tempo, as coisas podem se tornar difíceis para você. Está difícil o agendamento de consultas pelo convênio, as cirurgias estão lotadas. Você vai ter que brigar para poder ser atendido, e precisa estar fazendo essa cirurgia no mais tardar até meados de Agosto. Se fosse num outro órgão do corpo, talvez você pudesse aguardar um pouco, mas com um cancer de bexiga a gente não pode brincar..." - Ele me deu uma carta de encaminhamento com urgência, para que eu procurasse a equipe de urologia do Hospital Itamaraty e fosse enviado o mais rápido possível para a cirurgia. Tentei marcar uma consulta por telefone ( na Green Line as consultas só são marcadas pelo telefone - numa Central de Atendimento). A menina que me atendeu foi muito educada, porém me disse que só teria vaga para o final de Agosto. Expliquei minha situação a ela, de que eu tinha um cancer e que uma espera demorada por uma consulta poderia significar a morte, mas ela foi categórica e irredutível. Disse que entendia a minha situação, mas que infelizmente não poderia fazer nada. Eu respondi que não, que ela não entendia o que eu estava passando. Perguntei a ela: "O que é que eu faço então, fico aqui esperando pela morte?" Comecei a chorar no telefone, e de certa forma acredito que o meu pranto a comoveu de alguma maneira, pois instantes depois ela conseguiu marcar uma consulta para o dia 7 de Agosto. Muito longe ainda, teria que esperar duas semanas. Na batalha contra o cancer um dia pode significar muito.

No dia seguinte fui ao Hospital Itamaraty tentar passar por um urologista. Levei a carta do Dr. José Freitas, pois se não acreditassem em mim pelo menos acreditariam num doutor. Que nada! O encaminhamento de urgência do meu médico de nada adiantou. A atendente da Green Line me disse que todos os médicos marcam "URGENTE" mesmo. Fiquei sem saber o que fazer... Dei a volta e fui ao Pronto Socorro, e pedi para passar com um clínico geral. Expliquei a ela a minha situação, de que eu tinha que correr contra o tempo para tentar resolver a minha situação. A médica que me atendeu disse que não podia fazer nada, que ela não tinha o poder de resolver um problema administrativo do Hospital. Foi então que os meus olhos se encheram de lágrimas, e eu fiquei ali parado, com os meus olhos fixos nos dela sem dizer palavra alguma. As lágrimas rolaram sem que eu pudese evitá-las. Sensibilizada ou não, não sei, a médica decidiu me encaminhar para uma avaliação de um urologista. Por sorte havia um no hospital naquele instante, que olhou os meus exames e disse: - "Interna ele". E eu fui internado.

Quando a gente se encontra internado os procedimentos são acelerados. Rapidamente foram pedidos novos exames, pois o médico que me avaliou achou que uma ultrosonagrafia de um mês atrás não servia mais. Ele queria saber a situação do tumor no estágio atual, não no mês de Maio. Fiz um novo ultrason e novo hemograma, além do tradicional exame de Urina I que sempre me é solicitado. Sexta, sábado e domingo... Três dias se passaram. Segunda feira eu estaria entrando no Centro Cirúrgico para fazer a RTU (Resecção Tumoral). Bola fora. Minha uretra estava estreitada, e o médico não conseguiu realizar a cirurgia. Nem me lembrei de avisá-lo de que eu tinha ese problema de estreitamento uretral, e o tiro acabou saindo pela culatra. Teriam que refazer todo o procedimento numa outra ocasião. A angústia me corroía por dentro. Foi-me colocada uma sonda para ajudar na dilatação, e eu teria que aguardar mais alguns dias.

Sexta-feira à noite fui outra vez encaminhado ao Centro Cirúrgico para a RTU, e desta vez a cirurgia foi feita. Aquilo que não era meu e não me pertencia foi mais uma vez arrancado de mim. No meio de inúmeras batalhas vencidas e perdidas, marquei mais um ponto a meu favor. Estou em casa agora, apesar de ainda estar com a sonda para urinar (dói e incomoda), mas esses últimos dias foram para mim como que uma lição de vida. Vi coisas e conheci pessoas que lutam pela vida como se esta fosse o bem mais precioso que alguém pudesse ter - E realmente é! A vida é um milagre inimaginável do qual poucos se dão conta dele, e que na maioria das vezes nos esquecemos de agradecer a Deus por esta dádiva.

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